terça-feira, 30 de outubro de 2012

Sofia


Os sapos coaxavam; e nela, como um delírio, uma vibração: uma sobrevivência.

Esta é a história de uma sobrevivente. Quanto aquilo começou a importar mais que a própria vida.
- Está é vendo o tempo né Sofia? - uma voz soou confortavelmente melódica
Poucos sabiam, é que era difícil de falar. Como um suspiro - mas ficaria obvio para qualquer um que passasse por ela que o que se precisava naquele terreno, há muito infértil e talvez até meio esquecido, era um grito- um ar.
Desde que nasceu empenhou-se em uma construção perfeitamente simétrica dentro de si: foi erguendo compartimentos, separando sentimentos, guardando alguns pensamentos em um estoque puramente intelectual. Cada vez mais segmentada, já não havia mais princípios para separar: apenas trabalhava duro para organizar-se. Também segurava todas as paredes o tempo todo, pois estamos sempre suscetíveis a abalos, - dizia ela a si mesma - e qualquer terremoto era fortemente abafado por algum novo tipo de lógica.
À primeira vista, chegavam a ser afáveis suas microcasinhas, com todas as suas coisinhas dispostas e trancadas. A esse universo, dava o nome de intimidade. Com o tempo, passou a se chamar universo interior. Tão universal que ali crescia, cada vez mais. Sozinha. Às vezes, sim, noutras não. Ficava por ali horas; uma vez passaram-se dias. Tirava férias ali mesmo. Não por ser mais confortável, mas por parecer, digamos, mais profundo. E nem sequer parava para pensar na volta; ia ficando, ficando, ficando...
Por vezes tentava acelerar as ideias e ganhar tempo. Inútil. Gastava energia e perdia ar. Mas no mundo dela, o tempo era um só. Apesar de fragmentar o tempo do real, tentando organizar também o mundo além de si, o tempo do seu universo era apenas um. E por isso, não passava. Estendia-se. A isso, Sofia também deu um nome: fluxo.
Nós, humanos, tão perfeitamente enquadrados em nomenclaturas pequenas e vazias não percebemos nossa incapacidade de definir aquilo que somos, não é? Assim, alguns dariam um nome ao que ela faz: egoísmo... Não fosse o desespero.
Mas, tanto eu, narrador e cá detentor de parte da história, como você leitor e ai detentor de outra parte desta aventura, não sabemos o que era isso que nossa personagem tentava fazer. Assim como também ela, detentora de tudo, e ao mesmo tempo de nada, nadava sem chegar à praia.
A situação, já envolta nesta “turbulenta” confusão, começava a piorar. É que Sofia começara a identificar sua própria confusão. Ao se ver sem saídas, tentava agarrar-se cada vez mais as paredes. As paredes de suas construções caiam cada diz mais; por vezes, aprendera a gostar disto. Entretanto, muitas vezes desesperou-se. Tinha medo. Passando pelos seus corredores, ao que tentava sair dali, não conseguia; não conseguiria. Era algo tão maior que ela que chegava a engoli-la. Quase era digerida.
Para isto inventou artifícios: dava voltas e conseguia se salvar. Mas Sofia perdia-se, perdia-se, perdia-se... ela mesma assumia. Não percebia que perder-se é tão incrível que quem de fato se perde, não sabe que se perdeu.
Por ora, andava sentindo muita dor. Dor desta coisa maior que todo mundo tem e que se não toma cuidado, faz estrago. Tinha necessidades: produzir, ser, estar... soltava estes infinitos infinitivos aos que aproximavam-se... ah Sofia, quando vai aprender que estas nomenclaturas são tão inúteis quanto suas paredes?
O mais engraçado é que não cumpria com nenhuma delas! Ser, estar... lacunas preenchidas apenas por palavras...E o tempo no mundo real já passava. Os tempos confundiam-se, ela já não sabia separá-los; era cedo ou tarde? Talvez fosse agora.
-é vô. Mas já estou indo pra dentro
Quando percebeu, o avô tinha passado, a hora da janta tinha acabado. Seu estômago roncava e todos na casa já dormiam.