quinta-feira, 3 de maio de 2012

eu não gosto de cheios

órgãos completos 

lacunas preenchidas

eu gosto de dúvidas

conflitos e aberturas

do buraco no escudo

de quando a armadura falha

e a arma não dispara

eu gosto de quando o tiro não acerta

e o alvo foge

gosto daquilo que se esconde

e finge não existir

é nas miudezas que me encontro

nas sarjetas de insuficiências

nos descartes

é o menor que me desproporciona

meu olhar é para baixo

pra raiz

que é na semente

que as grandes árvores frutificam.


Te gosto

pelos vazios e 

solidões. 

segunda-feira, 23 de abril de 2012

Busco-me em escanteios

o que mais tem em mim é esquina:

não há caminho que não se cruze.

terça-feira, 10 de abril de 2012

relações íntimas


Jacarandá estava sozinho à tarde
e falou assim em língua escrita
que amor
essa coisa esquisita
só pode acontecer
se a gente consegue sentir o gosto da luz
quando o sol pousa devagar
e as borboletas que voam ao redor
parecem flutuar

sexta-feira, 30 de março de 2012

Cem batimentos por ora


Vem. Mas vem depressa. Tenho desejo e o desejo é a pressa da vontade.

Senta. Mas faça como se a casa fosse sua, tire as botas, desarrume os lençóis, beba leite no bico.

Beba leite. Meu leite. Mas se lambuze.

Depois deita. Deita em mim. Agora.

Entra, a porta está aberta.

Afinal é para isso que fomos feitas não? Parte de nós está em uma espera corrente.

É quase uma invasão. Mas pode vir. Meu ventre está maduro agora. Meu útero, o mesmo de onde eu tiro
forças para lhe dizer tudo isso, dói, lateja, mas se prepara. A dor é a perda de um preparo.

Doem em mim muitas coisas. Mas pode vir, deita em mim, que meu útero espera sempre.

E eu espero agora ser fecundada pela palavra;

Quero gozar na poesia

Tirá-la do meu útero

E menstruar na frase.

Sangue,
Gozo
E prazer:

todos
poéticos.

(é nas sutilezas que sou mulher)

quinta-feira, 29 de março de 2012


Seus passos
desgraçados
Deixam pegadas
E vão

Mas são passos
Degradados
Por já terem tocado o chão

E nesses passeios
Seus pés fazem questão de pisar
Em todos aqueles meus anseios
Que seus seios não souberam consolar

Mas que passem seus passos então
No final tudo passa
E só fica o chão.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Camomila


Quando a gente e encontrava quase que dava pra ouvir a explosão. Você me tocava forte e eu dizia não, não. Mas você parecia que nem queria me ouvir, e ficava assim, debochando do meu não, e eu caindo no seu sim. Era um jogo doce que você fazia comigo. E eu jogava.
Aquilo que eu nunca soube explicar já durava pra lá de Abril. Por vezes me peguei procurando entender em que tempo tudo se encaixava. Mas não, a gente era pra mais do tempo. Tanto era que eu ficava meio assim sem rumo quando te via. Você olhando as estrelas, como quem não quer nada, enquanto eu te laçava as mãos, e íamos assim, caminho sem volta, pela orla de uma praia qualquer.
Era gostoso o som que você fazia depois de me beijar. E enquanto eu te beijava dava pra sentir sua respiração na minha. Não sei se eram os cabelos, o cheiro, ou o quê. Não sei. Sei que você me arrepiava, e eu olhando você entrar na água azul, assim, as ondas quebrando nos seus joelhos, o sol queimando seus cabelos (que ficavam cada vez mais loiros), eu te vendo com dificuldade já, você nadando mais que sereia... Eu cruzava os braços, segurando aquele seu vestido branco de renda, os bordados eu sabia de cor.
Eu te olhava não conseguindo imaginar nada que importasse mais na vida que aquilo. Talvez a vida fosse aquilo mesmo. Seja assim, esse tudo...mas curto suspiro. Você gritava, vem,vem! Eu ali, naquele suspiro. Você ali, naquele respiro.
Encontrávamo-nus e eu tentava te tirar tudo de uma só vez.  Você com o sorriso habitual de tranquila... ar de feliz. Ria por baixo dos lençóis, fazia sinais de abraço, escondia o rosto, corria pela casa sem as roupas e com as janelas abertas.
É que você parecia mesmo não ter medo da vida. Era tudo parte de um grande mundo, que te aguardava. E você, paciente.
Mas quando a gente se encontrava era explosão. Eu via as faíscas ralando em mim. Você nem ligava. Aquele olhar brando... Era tudo tão inquieto... instável...que até parecia amor.
Às vezes eu abraçava seu travesseiro só pra sentir seu cheiro de camomila.
-Você me ama?
-É claro.
- De verdade?
-Não.
...
-Amo de sonho mesmo.

Calafrios poetizados


Desfio a palavra
Com a facilidade
De quem faz um filho.
Atonalidade:
fecundo o verbo
e
 ARREPIO

A palavra veio ontem
Acontece hoje
E suspira amanhã