quinta-feira, 28 de julho de 2011

O gato



  Ele me avistou, de longe. Mas eu não o vi. As lágrimas escorriam, e andei cambaleando até a porta. Abri. Não consegui entrar, cai no chão, e de lá o avistei – os olhos grandes me olhavam, sem precisar me chamar – já tinha minha permissão de se aproximar, veio até mim. Era como um abraço. Fez carinho.
  Fazia tempo que não conversávamos, andávamos meio estressados, sozinhos. Mas assim mesmo, ele fez como nos dias de dor dele, em que eu fazia carinho, e dizia que não entendia, mas estava ali e ia passar. Ele, forte, sempre resistiu às dores. E elas passavam mesmo. Mas ele sabia da minha dor, não era preciso dizer. Desde que me avistou, sabia do tamanho da minha dor. Ele também não entendia, e era quase como se dissesse: estou aqui e via passar.
  Em pranto, deitei-me no chão. Ele ficou comigo, me rodeando, fazendo carinho, desde a cabeça, até meus pés. Doía, doía muito. Era como se tivessem arrancado um pedaço de mim. Era como se desistisse do maior dos sonhos.
  Falei um pouco, conversamos. Ele meio calado, estava ali para ouvir. Ele só foi embora quando viu que eu já podia me levantar. Entrou em casa, e quase disse: - Vamos, levante-se! Obedeci. Devagar – ainda sentindo a dor -, levantei. Fechada a porta, ele se aproximou, a sala escura. Eu, no chão novamente. De tanto carinho, peguei-o no colo, abraçando-o, como um filho. Mas eu era o filhote ali. Fechou os olhos e entregou sua paz para mim, dando tudo.
  Era o mais fiel. Disse isso para ele, fazendo carinho em suas mãozinhas peludas. Eu não tinha nojo de seu sujo, e nem ele do meu. Dividíamos nossos ruins.
  Ele reclamou de fome, eu também. Então fomos comer, cada qual seguindo seu rumo, indo deitar na sua cama. Chegávamos da noite, cansados da vida, mas ainda tínhamos um ao outro.

quarta-feira, 27 de julho de 2011


Meu eu está insuportável,
Insustentável.
Isso faz com que minhas borboletas desassosseguem.
Hoje mais duas fugiram de mim.
Não gosto de perder minhas borboletas.
Agora tenho um vácuo.
Ter um vácuo dói.
Mas não tem remédio para vácuo.
Estou me completando com palavra.
Depois de muita palavra,
as borboletas vão querer brincar.
Vai dar cosquinha,
e eu vou rir.
Então vou voltar a ter borboletas e ainda terei palavras:
Borboletas e palavras é uma combinação ótima.
Minha solidão me provoca.
parece coisa que não acaba mais:
cada dia fica maior.
É como um balão,
se enchendo de vazio...
enchendo,enchendo,enchendo...
Será que quando estourar sai alguma coisa pra acabar com meu sozinho?


Enquanto eu não consigo pintar minha realidade com cor de sonho,
Eu vou dormir pra poder misturar as tintas.

Ela queria entrar no mundo. Porque se sentia muito fora dele. Sentia necessidade de fecundá-lo. Mas para fecundar o mundo não podia ir devagar, não tinha chance de teste. Para fecundar o mundo precisa ter coragem.
Então ela tinha que ficar maior.
Voltar.
Ficou primitiva: tirou a roupa e se entregou ao natural. Ao sol.
E o sol a empurrou.
Ela foi como mulher e mergulhou, fecundou o mundo. Mesmo o mundo sendo maior, ela não teve medo.
No que ela foi, se perdeu no que se diz de corpo. Virou coisa maior. Maior que ela mesma, não se coube. Mas coube no mundo, que a fecundou também.

domingo, 17 de julho de 2011

Coisa de viver.

  E mesmo que eu pense até a cabeça adoidá, que eu olhe pro lado, e até que eu ache tudo muito engraçado... vai ser sempre isso ai.


  A vida é mesmo essa coisa esquisita, fica encravada na gente, por todo canto. A gente mexe, remexe, tentando se acostumar. Às vezes acomoda, e a gente até começa a achar bom. Mas daí incomoda, a gente vira coisa pequena e quer sumir. Tem gente que fica querendo desencravar a vida do peito que arde. Tem gente que é indiferente, nem sente nada (será que é gente mesmo?). Tem gente que vai levando, e fica num jogo que aquietá, desinquietá.

  Mas vai ser sempre isso ai mesmo. Um dia a gente vai se acostumá.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

  Ela, mulher. Ele, homem. Ela, como mulher, cumpria o papel que lhe fora concedido. E talvez até mesmo confiado. Ele crescia cada dia mais, tentando alcançar o estado de homem.


  Ela, maior que ele, cobria-o com seu manto cor de vinho, abrigando-o. Era como um pássaro, uma mãe-pássaro, que voava e sempre ia voar, acompanhando-o. Um espetáculo fascinante.

  Ele, ainda menino. Sempre menino, mesmo que desejasse tender para homem. Ela, ainda mulher. Sempre mulher. Ela precisava de filhote para se sentir mãe, ele precisava de vôo para se sentir homem.

  Às vezes soava engraçado, todo riam, e felizes, falavam com gosto. E se a natureza era perfeita, quem poderia dizer que eles não eram?

  ...

  Mas nem sempre a perfeição sacia. E é aí que entra o bicho homem.

sábado, 9 de julho de 2011

texto completo.


Se pelas sombras nada via, o que eu podia querer mais?
Na verdade, era tudo muito simples. Bastava abrir os olhos, bastava parar e sentir. Mais simples que o simples. Por isso, incomum.
Eu me desfazia como coisa e me remontava como pessoa.
Por mais que o espaço fosse pequeno, era meu. E isso o tornava grande. O que me confortava é que podia, quando quisesse, ultrapassá-lo.
Eu era forma de não sei o quê. E era tão bom ter poder. Ter querer.
Não me lembrava muito bem do que tinha acontecido. Sei que podia. Tinha liberdade de.
Mas as linhas me diziam por onde ir. Mais do que loucura, era realidade. As letras ligavam-se. Vida-letra. Era o que eu tinha. E estava satisfeita, pois era completo (a).
Não pensava no que se precisava e sim no que se queria. Afinal, livre. E sentia que tinha acabado, e por isso acabou.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Aplausos. ( Humano-ser)

Silêncio, escuro, luz focada no ator, que está no centro do palco, de cabeça baixa e olhos fechados.


Pedro abre os olhos e olha pra a platéia.

- Tudo o que fizeram comigo ficou. Ficou marcado e pendurado em mim. Já o que eu fiz... bom, o que eu fiz não importa. Passou. Não se importaram no dia em que eu chorei, tampouco no dia em que eu sorri... O que diminuiu meu sorriso.

Ele pega um espelho, e dirige ao rosto, devagar.

- Olho meu rosto no espelho, à procura de traços. Traços de mim.

Joga o espelho no chão, mas sem muita força.

- Não vejo!

Agacha-se, e continua caminhando, olhando para a platéia ás vezes.

- Mas mesmo não vendo, gosto de olhar... Permaneço á espreita, observo um mundo decadente. Mas o que eu mudo dizendo essas coisas? Eu, mudo. Ah, bobagem! Ninguém me ouve. Sou só mais um eu em busca do seu eu! É certo, tento encontrar-me, sim. Mas mais que isso busco a verdade. A verdade iluminada no meio do lixo do homem. Homem, lixo. Lixo! (encara a platéia)

- Mas o que se espera, afinal? (risos). Por Deus! Somos tão medíocres! Tão covardes!Tão, tão...nada. E Deus? Bom, Deus... prefiro não falar disso agora.

- e quer saber? Que batam na minha cara!(se bate no rosto) Vamos ver! Eu, como homem, assumo que mereço apanhar!

-até continuar a arrasta-me pelas ruas...como um rato. Até os ratos são mais dignos! A natureza, tamanha perfeição, seguiria seu destino normalmente. Não fosse o homo, mísero, que necessita de provar sua superioridade. Animais! É até um elogio!

(Anda pelo palco)

- O que importa de verdade é que eu estou aqui. (bate no peito, já parado) Ou talvez não importe nada...Vaguei por muito tempo. Tempo demais. Perdido no escuro... mas voltei. Voltei com esperanças de nunca mais partir.

- Afinal, sou ser. Humano-ser.

Luzes se apagam.

De cor.

  Moro em uma casa sem cor. Nunca sue dizer a cor da minha casa e também nunca quis saber. É que no mundo tem muita cor. Tanta cor que o homem jamais conseguirá nomear todas elas- sim, pois cada elemento da natureza, cada detalhe, forma uma nova cor. Muitas não são perceptíveis aos nossos olhos- e se conseguir, porque o homem tem essa mania de dar nome as coisas, não saberá ensiná-las às crianças, e nem gravar todo os nomes. A ambição do homem ultrapassa sua capacidade. Então temos as variações. Variações e instabilidades de azul, verde, amarelo, vermelho, preto e branco. É isso: moro em uma casa cor de variações e instabilidades.


  Queria mesmo é ter uma casa vermelha e azul. Assim, coisa bem bonita, e ai as pessoas iam parar pra olhar minhas cores e minhas cores iam mudar o dia dessas pessoas. Colorindo-os de vermelho e azul. Mas vermelho e azul bem fortes, como nos filmes de Almodóvar. “ Cores de Almodóvar”- disse bem Adriana Calcanhotto.

  Não que as minhas paredes com manchas de umidade me incomodassem. Na verdade, já tinha me acostumado com elas. E elas tinham se acostumado comigo. Convivíamos e nos aceitávamos. Eu observando, elas crescendo e tomando formas. Forma de arte. E eu, arte. Eu, arte? Queria.

  Talvez até precisasse. Então eu seria forte como as personagens de Almodóvar. Mulher como a Penélope Cruz, nos filmes vermelhos e azuis.

Seria feliz.

Seria feliz?

.

No dia em que Deus se esqueceu da existência,


No dia em que a natureza não quis que o sol nascesse,

O homem correu,

e tentou acender a lâmpada.

Mas o ciclo estava se fechando,

e na decadência,

Enfim o homem não teve o controle.