domingo, 28 de março de 2010

Nessa solidão,
Meu corpo clama por liberdade
Minha dor sussurra em meus ouvidos
Dentro de minh’alma, o pranto arde
E a tristeza resplandece.
Agora sou como escrava
Tornei-me prisioneira do meu próprio ser.

E esse isolamento me tortura,
O silêncio faz tornar ainda maiores as minhas mágoas
E corrói-me, fazendo-me extinguir
Desaparecer por completo
Sem deixar rastro, sem ninguém perceber

A censura
Faz-me sentir como incompleta
Falta a mim o grito, que é direito de todo ser
E a companhia,

que é necessária a todo ser que realmente é.
Poesia

é

antônimo

de
censura.
E o poeta pensou e transcreveu seus pensamentos, com auxílio das mãos de poeta, para a folha de papel em branco. Depois de alguns instantes, aquela simples folha de papel passara a ter muito valor não só para o poeta, mas como para o mundo que leria seus versos que transmitiam seus mais íntimos pensamentos.
Mas então veio um forte vento invadindo seu quarto de poeta, que teve o poder de destruição tão grande quanto de um furacão, quando furtou do poeta sua poesia, carregou-a contigo sem nem pedir permissão. E junto com o vento foram-se os pensamentos do poeta, seus versos, suas rimas, seus sentimentos, os quais ele entregara à folha de papel. Simples assim, foram-se, para nunca mais voltar.

Maldito vento. Maldita folha de papel. Maldita falta de memória.

Memórias Possíveis ( fragmento)

‘’Naquela manhã, como em muitas manhãs já não aconteciam, fiquei a sonhar, absorvia-me em pensamentos vagos, de olhos abertos... Lembrava de você. Sentia uma leve saudade, que me tocava tão suavemente como aquela brisa matinal de março.
Lembrei de tantas coisas, coisas que nem mesmo chegaram a acontecer. Mas nem valia a pena me pôr triste, somente devaneada.
Que paz você me trouxe naquele dia, uma sensação tão simples, mas que pra mim fez-se dar tanto valor! E eu sorri como há muito já não sorria, sorriso de criança, singelo, sincero, os olhos brilhavam, meu coração enfim lembrava-se de como te amava!
Embriaguei-me em banhos de felicidade, que se duraram muito mais do que aqueles poucos minutos... ’’[...]
Asas à imaginação:
Vamos fazer silêncio e pôr as mãos a rabiscar os pensamentos.

Mas desespero-me,
Percebo então que a poesia anda fugindo de mim.
Dificuldade,
Procuro por todos os lugares
Mas não encontro meus versos.
Dúvida,
Será que a mim falta capacidade para preencher a folha em branco?

Essa folha agora me assusta, com todo seu espaço a ser ocupado pelas palavras
E eu com minha cabeça vazia de idéias.
Será que a mim falta libertar a imaginação e deixá-la a voar?

sábado, 20 de março de 2010

Tristeza

Sufoca-me, aperta, machuca. A tristeza parece que não vai mais acabar, me acerca, me derruba, me cala. Deixa-me sem rumo, sem direção, sem vontade de existir. Sentimento ruim esse, que não dá lugar pra felicidade passar. Os olhos ficam tão molhados quando ela está presente, que é inevitável não lacrimejar melancolia, não deixar-me abater pelo pranto sem fim, não cair e deixar corpo agonizar. Infundo tristeza sim, derramo minhas lágrimas sem vergonha de mostrar-me tão fraca. Creio que nunca me deixei ficar tão triste como agora estou, cercada de ódio, de rancor, de dor. Que calam meu peito e apodrecem minha alma, me fizeram parar até de pensar.
Felicidade essa que não vem calar a tristeza que deixa um coração a morrer de dor. Não me visita há algum tempo essa tal de felicidade que pareço agora jamais ter conhecido.
Mas todo mundo fica mesmo triste um dia.

sexta-feira, 5 de março de 2010

E,como não poderia deixar de ser, Clarice Lispector:

Águas do Mundo
Aí está ele, o mar, o mais ininteligível das existências não humanas. E aqui está a mulher, de pé na praia, o mais ininteligível dos seres vivos. Como o ser humano fez um dia uma pergunta sobre si mesmo, tornou-se o mais ininteligível dos seres vivos. Ela e o mar.

Só poderia haver um encontro de seus mistérios se um se entregasse ao outro: a entrega de dois mundos incognoscíveis feita com a confiança com que se entregariam duas compreensões.
Ela olha o mar, é o que se pode fazer. Ele só lhe é delimitado pela linha do horizonte, isto é, pela sua incapacidade humana de ver a curvatura da terra.
São seis horas da manhã. Só um cão livre hesita na praia, um cão negro. Por que é que um cão é tão livre? Porquê ele é o mistério vivo que não se indaga. A mulher hesita porque vai entrar.
Seu corpo se consola com sua própria exigüidade em relação a vastidão do mar porque é a exigüidade do corpo que o permite manter-se quente e é essa exigüidade que a torna livre gente, com sua parte de liberdade de cão nas areias. Esse corpo entrará no ilimitado frio que sem raiva ruge no silêncio das seis horas. A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem. Com a praia vazia nessa hora da manhã, ela não têm o exemplo de outros humanos que transformam a entrada no amr em simples jogo leviano de viver. Ela está sozinha. O mar salgado não é sozinho porque é salgado e grande, e isso é uma realização. Nessa hora ela se conhece menos ainda do que conhece o mar. Sua coragem é a de , não se conhecendo, no entanto prosseguir. É fatal não se conhecer, e não se conhecer exige coragem.
Vai entrando. A água salgada é de um frio que lhe arrepia em ritual as pernas. Mas uma alegria fatal – a alegria é uma fatalidade – já a tomou, embora nem lhe ocorrera sorrir. Pelo contrário, está muito séria. O cheiro é de uma maresia tonteante que a desperta de seus mais adormecidos sonos seculares. E agora ela está alerta, mesmo sem pensar, como um caçador está alerta, mesmo sem pensar. A mulher é agora uma compacta e uma leve e uma aguda- e abre caminho na gelidez que, líquida, se opõe a ela, e no entanto a deixa entrar, como no amor em que a oposição pode ser um pedido.
O caminho lento aumenta as coragem secreta. E de repente ela se deixa cobrir pela primeira onda. O sal, o iodo, tudo líquido, deixam-na por uns instantes cega, toda escorrendo- espantada de pé, fertilizada.
Agora o frio se transformou em frígido. Avançando, ela sobre o mar pelo meio. Já não precisa da coragem, agora já é antiga no ritual. Abaixa a cabeça dentro do brilho do mar e retira uma cabeleira que sai escorrendo toda sobre os olhos salgados que ardem. Brinca com a mão na água, pausada, os cabelos ao sol quase imediatamente já estão endurecendo de sal. Com a concha das mãos faz o que sempre fez no mar, e com altivez dos que nunca darão explicação nem a eles mesmos: com a concha das mãos cheia de água, bebe em goles grandes, bons.
E era isso o que estava lhe faltando: o mar por dentro como o líquido espesso de um homem. Agora está toda igual a si mesma. A garganta alimentada se constringe com o sal, os olhos avermelham-se pelo sal secado pelo sol, as ondas suaves lhe batem e voltam pois ela é um anteparo compacto.
Mergulha de novo, de novo bebe mais água, agora sem sofreguidão pois não precisa mais. Ela é a amante que sabe que terá tudo de novo. O sol se abre mais e arrepia-a ao secá-la, ela mergulha de novo: está cada vez menos sôfrega e menos aguda. Agora sabe o que quer. Quer ficar de pé parada no mar. Assim fica pois. Como contra os costados de um navio, a água bate, volta, bate. A mulher não recebe transmissões. Não precisa de comunicação.
Depois caminha dentro da água de volta à praia. Não está caminhando sobre as águas- ah, nunca faria isso depois que há milênios já andaram sobre as águas- mas ninguém lhe tira isso: caminhar dentro das águas. Às vezes o mar lhe impõe resistência puxando-a com força para trás, mas então a proa da mulher avança um pouco mais dura e áspera.
E agora pisa na areia. Sabe que está brilhando de água , e sal e sol. Mesmo que o esqueça daqui a uns minutos, nunca poderá perder tudo isso. E sabe de algum modo obscuro que seus cabelos escorridos são de náufrago. Porque sabe – sabe que fez um perigo. Um perigo tão antigo quanto o ser humano.

Clarice Lispector. In: Felicidade Clandestina

Clarice veio de um mistério.
partiu para outro.
Ficamos sem saber a essência do mistério.
Ou o mistério não era essencial,
era Clarice viajando nele.
Carlos Drummond de Andrade