Os sapos coaxavam; e nela, como um delírio, uma vibração: uma
sobrevivência.
Esta é a
história de uma sobrevivente. Quanto aquilo
começou a importar mais que a própria vida.
- Está é vendo
o tempo né Sofia? - uma voz soou confortavelmente melódica
Poucos sabiam,
é que era difícil de falar. Como um suspiro - mas ficaria obvio para qualquer
um que passasse por ela que o que se precisava naquele terreno, há muito
infértil e talvez até meio esquecido, era um grito- um ar.
Desde que
nasceu empenhou-se em uma construção perfeitamente simétrica dentro de si: foi
erguendo compartimentos, separando sentimentos, guardando alguns pensamentos em
um estoque puramente intelectual. Cada vez mais segmentada, já não havia mais
princípios para separar: apenas trabalhava duro para organizar-se. Também
segurava todas as paredes o tempo todo, pois estamos sempre suscetíveis a
abalos, - dizia ela a si mesma - e qualquer terremoto era fortemente abafado
por algum novo tipo de lógica.
À primeira
vista, chegavam a ser afáveis suas microcasinhas, com todas as suas coisinhas
dispostas e trancadas. A esse universo, dava o nome de intimidade. Com o tempo,
passou a se chamar universo interior. Tão universal que ali crescia, cada vez
mais. Sozinha. Às vezes, sim, noutras não. Ficava por ali horas; uma vez passaram-se
dias. Tirava férias ali mesmo. Não por ser mais confortável, mas por parecer,
digamos, mais profundo. E nem sequer parava para pensar na volta; ia ficando,
ficando, ficando...
Por vezes
tentava acelerar as ideias e ganhar tempo. Inútil. Gastava energia e perdia ar.
Mas no mundo dela, o tempo era um só. Apesar de fragmentar o tempo do real, tentando
organizar também o mundo além de si, o tempo do seu universo era apenas um. E
por isso, não passava. Estendia-se. A isso, Sofia também deu um nome: fluxo.
Nós, humanos,
tão perfeitamente enquadrados em nomenclaturas pequenas e vazias não percebemos
nossa incapacidade de definir aquilo que somos, não é? Assim, alguns dariam um
nome ao que ela faz: egoísmo... Não fosse o desespero.
Mas, tanto eu,
narrador e cá detentor de parte da história, como você leitor e ai detentor de
outra parte desta aventura, não sabemos o que era isso que nossa personagem
tentava fazer. Assim como também ela, detentora de tudo, e ao mesmo tempo de
nada, nadava sem chegar à praia.
A situação, já
envolta nesta “turbulenta” confusão, começava a piorar. É que Sofia começara a
identificar sua própria confusão. Ao se ver sem saídas, tentava agarrar-se cada
vez mais as paredes. As paredes de suas construções caiam cada diz mais; por
vezes, aprendera a gostar disto. Entretanto, muitas vezes desesperou-se. Tinha
medo. Passando pelos seus corredores, ao que tentava sair dali, não conseguia;
não conseguiria. Era algo tão maior que ela que chegava a engoli-la. Quase era
digerida.
Para isto
inventou artifícios: dava voltas e conseguia se salvar. Mas Sofia perdia-se,
perdia-se, perdia-se... ela mesma assumia. Não percebia que perder-se é tão
incrível que quem de fato se perde, não sabe que se perdeu.
Por ora,
andava sentindo muita dor. Dor desta coisa maior que todo mundo tem e que se
não toma cuidado, faz estrago. Tinha necessidades: produzir, ser, estar...
soltava estes infinitos infinitivos aos que aproximavam-se... ah Sofia, quando
vai aprender que estas nomenclaturas são tão inúteis quanto suas paredes?
O mais
engraçado é que não cumpria com nenhuma delas! Ser, estar... lacunas
preenchidas apenas por palavras...E o tempo no mundo real já passava. Os tempos
confundiam-se, ela já não sabia separá-los; era cedo ou tarde? Talvez fosse
agora.
-é vô. Mas já
estou indo pra dentro
Quando percebeu, o avô tinha passado, a hora da
janta tinha acabado. Seu estômago roncava e todos na casa já dormiam.
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