domingo, 18 de agosto de 2013

quase inteiro
eu fim
você meio

quinta-feira, 15 de agosto de 2013

grafito a arte
tudo passa
e volta mais tarde


sábado, 11 de maio de 2013

sou peixe que nada em maré alta
qualquer onda me joga pra frente
qualquer vento me puxa pra trás


sou peixe


e essa imensidão de azul
é toda minha...

terça-feira, 16 de abril de 2013


porém a solidão exerce do mim algo como sinfônico,
como quando uma semicolcheia
toca o segundo horizonte da partitura
:
da incompletude faz-se sol

segunda-feira, 8 de abril de 2013

insolação


insolação
s.f.:ato ou efeito de insolar ou insolar-se
Quando a chuva de dentro
já não pinga mais e
o sol de fora se refugia em nós
[pl.:-ções]

quarta-feira, 28 de novembro de 2012

Ana C.


          Entrei na padaria, por volta das nove da manhã, bem entre a pequena pausa entre uma matéria e outra, mas dessa vez ainda pensando que eu não havia concluído a primeira e até a última hora do dia eu deveria enviar três notícias para a redação o que se somava a nenhuma ideia de que forma trabalhar o fato de que uma mulher perdeu o filho afogado na praia que não tinha salva-vidas por falta de verba governamental. Enfim, como sempre entrei na padaria, algo me remeteu a outras tantas notícias que já tinha escrito até ali, desta vez foram as janelas tortas, o vermelho do ketchup, os cigarros entre os dedos daqueles que fumavam enquanto tomavam o sagrado café da manhã. Naquela época as pessoas ainda podiam fumar dentro dos lugares, o que era a coisa mais comum e óbvia. Mas quando entrei na padaria o que me chamou de fato a atenção depois desses milésimos de segundos de curta duração que minha percepção geral acerca do ambiente daquela manhã conseguira apurar foi um papel branco, bem dobrado, mas que alguém claramente tentara amassar.
         Fui até o freezer, peguei uma bebida e me dirigi ao balcão. Sentei-me não muito longe do papel que reluzia na bancada de metal. Um pão com queijo, por favor, a mulher estava na cozinha, vai querer pão de sal mesmo? - ela disse se virando quando percebeu que se tratava do mesmo pedido que ela recebia quase todas as manhãs por anos - ah é você seu Gabriel! Me desculpa hoje não sei o que me deu que estou cá com a cabeça nas nuvens, até o seu Manoel já me deu um berro e olha que eu fui funcionária do mês hein seu Gabriel - aí já me deixei distrair, enquanto ela falava do filho que tinha finalmente passado no  vestibular e agora ia estudar e crescer na vida. Já estava acostumada, sabia que eu sempre a ouvia, ainda mais agora, confortado por saber que meu pedido não seria confundido nem atrasado, o queijo estaria no ponto exato de derretimento com o pão escolhido a dedo e apenas uma passada de manteiga.
         Enquanto ela se virava para fazer o pão com manteiga me peguei olhando-a por trás. Tentei me desviar para o bilhete que de fato ainda me atordoava, mas algo me incomodava naquela mulher que há mais ou menos cinco anos eu olhava todos os dias, aquela mulher de meia idade já mãe de três filhos e até um pouco gorda, eu nunca havia reparado em suas coxas firmes provavelmente bem trabalhadas pelo serviço doméstico, e a bunda grande começando já onde se amarrava o avental, porque nunca a havia reparado, era até bem formada, as formas assentavam com os olhos grandes e pretos. Enquanto imaginava também seus peitos agora escondidos pelo avental me vinha à cabeça uma coisa bem excêntrica, mas eu nem queria mesmo olhar, e não é mesmo assim às vezes nos pegamos pensando asneiras apesar de não serem mais que humanas minhas asneiras e até estavam bem escondidas onde eu gostava de guardá-las, onde ninguém podia ver, enquanto os seios suavam no calor do fogão, ela se soprava, inclinava o queixo devagar para o decote e fazia um bico de leve sem que ninguém percebesse, exceto eu enquanto esperava meu pão, meu queijo, feitos pelas mesmas mãos que agora juntavam os cabelos - como está quente hoje hein seu Gabriel- respondi que sim Lia, há tanto tempo não faz calor assim aqui, minhas mãos também suavam tirei-as do balcão limpei na calça, as marcas no metal suado, limpei, disfarcei, ela voltava com o prato, meu café da manhã de todo dia ela se inclinou um pouco para servir, desviei o olhar da pele, cai no bilhete branco.
         Lia não tinha percebido que alguém deixava um bilhete? Justo ela tão atenciosa, tão maternal com aquele lugar e as pessoas que ali todos os dias passavam e esquentavam as cadeiras, o barulho do caixa meio enguiçado a moça do caixa - cada semana uma diferente, pois sempre alguém roubava algo- batia para soltar, contava o dinheiro, as moedas caiam nos bolsos vazios, nas bolsas grandes, assim como eu agora cai nos seios de Lia e cairia também no papel branco. Puxei com força e sem ninguém ver, coloquei-o eu meu bolso. Pouco antes de terminar o pão, peguei o papel e li os períodos mais curtos da minha vida, com uma letra até bem comum: “Fui embora Bruno, não me procure. É impossível viver assim. Ana C.”.
         Quando li aquelas palavras duras percebi que elas pareciam ainda mais poucas quando o branco do papel se assemelhava ao vazio que senti lendo-as, quanto tempo demoraria até que elas crescessem e ocupassem todo o papel, de forma que Bruno não aguentasse mais e jogasse tudo fora, roupa bolsa mala pente cd livro carta telefone escova de dente toalha fronha do travesseiro com cheiro, talvez todo o resto da roupa de cama. As palavras ressoavam em minha mente “não me procure mais não me procure mais não me procure mais não me procure mais”... como se fossem infindas, como se decretassem todo o fim das coisas.
         -seu Gabriel, vai querer o cafezinho pra levar? Escondi o bilhete branco rapidamente e assustado respondi que sim, foi então que Lia soltou uma - é seu Gabriel, o senhor também tá avoado hoje né? Preocupa não que é o tempo - eu nem concordei nem mexi, eu fiquei me perguntando que dia mais inóspito para se deixar alguém, um dia quente desses de ter que sair de casa pra aliviar o mormaço.
Pensava em Ana C. Pensava em Bruno. Pensava na minha ex mulher, quando eu a deixei e simplesmente sai. Nunca passou pela minha cabeça deixar um bilhete nem nunca consegui tamanha sinceridade. Ana C. de fato deveria ser uma pessoa muito sincera, talvez esse tal de Bruno fosse mesmo um bundão ou quem sabe, sei que as palavras continuavam, e havia um ritmo dentro de mim que repetia não me procure mais, como já ouvi tantas vezes na vida, tenho trauma dessa frase, pensei enquanto catava as migalhas de pão no prato, tenho trauma dessas pessoas que se vão e de como eu também posso ser uma delas, de como eu também posso senti-las aqui.
           Desde então passei os dias procurando Ana C. pelas ruas, e toda vez que via uma moça parada no ponto esperando o ônibus, ou na praia admirando o pôr do sol, na verdade todas as moças sozinhas, eu via Ana C.. Procurar Ana fez transfigurar em mim uma obsessão, mais do que olhar agora para os peitos de Lia todos os dias e repensar e repensar em porque continuava a fazê-lo se eles eram tortos, sem encontrar nunca uma resposta, também procurava Ana C. em todas as moças do Rio e as descobria sozinhas. Me dava um aperto no peito como se a solidão fosse mesmo algo tão assustador e tão indesejável. As moças que saiam das boates, depois de vários shows já perdidas sem os seus cheiros, cheiravam a suor e a uma grande mistura de perfumes masculinos, eram tão sozinhas, será que Ana C. cheirava assim. E isso continuava como continuou por tanto tempo, mesmo quando estava com outras mulheres, quando esses meus conflitos eram jorrados em todas elas, algumas engoliam sem medo todas as minhas inquietações pulsantes e eu as admirava pela coragem de tantas vezes se deixarem amar tão fácil, o que até conferia certa leveza ao peso que tinha para mim a palavra amor.
         Menores sentimentos ou não, conferi a Ana C. uma significância que transbordava atordoadamente todos os meus sentidos. Os mesmos sentidos que amavam Ana C. olhavam para Lia, escreviam matérias sobre imposto de renda e até transitavam por mim enquanto eu transava com a vizinha antes do trabalho dela, antes do meu.
         Com o tempo a memória foi me esquecendo. Me perdi; como uma criança, o meu ontem, hoje e amanhã causava estranhamento nas pessoas. Mas para mim tudo parecia estar perfeitamente ordenado. Exceto quando esquecia onde havia deixado o bilhete de Ana C. que eu ainda guardava. Como a memória poderia ter me esquecido tão bem! O bilhete sempre estava no bolso esquerdo frontal da calça. Ela sempre esteve lá.
         Ontem fui à padaria. Lia não trabalha mais lá; descobri anos depois que tinha câncer de mama, e por isso seus seios eram tortos - o médico era ruim, era tudo o que Lia podia pagar e ele cagou o serviço- me contou a moça do caixa, agora já uma senhora, no mesmo dia em que Lia morreu. A moça não prosseguiu no trabalho porque era honesta; o padeiro confessou-me que a apanhou roubando um par de vezes, mas desistiu de puni-la, pois já perdera a paciência com gente jovem. Acreditei na hora, mas mais tarde figurei o verdadeiro estímulo do emprego da moça. Vi o padeiro saindo dá área de serviço, o cinto arriado, ela voltando para o balcão, passava batom.
         Quando eu pagava o café, a mulher do caixa me deu um sorriso e disse que iria se casar na semana que vem, antes de eu esboçar qualquer reação, ela se adiantou - mas não pensa que eu era encalhada não viu seu Gabriel? Arrumei noivo cedo. É que o danado do Bruno estava esperando a mãe dele voltar depois de uma briga que eles tiveram há anos. Ela era meio doida sabe? Como ela nunca mais voltou, eu falei que se ele não casasse de vez eu ia embora - olhei assustado para ela quando ela me disse ainda- se a mãe dele é cabeça dura eu também sou, deve ser coisa de nome mesmo.
         Hoje vim para casa pensando que o nome da caixa era Ana, me lembro pelo crachá que ela pôs só pra mim; assim não ficaria constrangido caso me deslembrasse. Não sei bem por que, mas esse nome me remete a alguma coisa. Onde está aquele papel que sempre procuro...?
         É que ontem entrei na padaria, por volta das nove da manhã, bem entre a pequena pausa entre uma matéria e outra, mas dessa vez ainda pensando que não conclui a primeira e até a última hora do dia eu tinha que enviar três notícias para a redação o que se somava à nenhuma ideia de como trabalhar o fato de que uma mulher perdeu o filho ...

terça-feira, 30 de outubro de 2012

Sofia


Os sapos coaxavam; e nela, como um delírio, uma vibração: uma sobrevivência.

Esta é a história de uma sobrevivente. Quanto aquilo começou a importar mais que a própria vida.
- Está é vendo o tempo né Sofia? - uma voz soou confortavelmente melódica
Poucos sabiam, é que era difícil de falar. Como um suspiro - mas ficaria obvio para qualquer um que passasse por ela que o que se precisava naquele terreno, há muito infértil e talvez até meio esquecido, era um grito- um ar.
Desde que nasceu empenhou-se em uma construção perfeitamente simétrica dentro de si: foi erguendo compartimentos, separando sentimentos, guardando alguns pensamentos em um estoque puramente intelectual. Cada vez mais segmentada, já não havia mais princípios para separar: apenas trabalhava duro para organizar-se. Também segurava todas as paredes o tempo todo, pois estamos sempre suscetíveis a abalos, - dizia ela a si mesma - e qualquer terremoto era fortemente abafado por algum novo tipo de lógica.
À primeira vista, chegavam a ser afáveis suas microcasinhas, com todas as suas coisinhas dispostas e trancadas. A esse universo, dava o nome de intimidade. Com o tempo, passou a se chamar universo interior. Tão universal que ali crescia, cada vez mais. Sozinha. Às vezes, sim, noutras não. Ficava por ali horas; uma vez passaram-se dias. Tirava férias ali mesmo. Não por ser mais confortável, mas por parecer, digamos, mais profundo. E nem sequer parava para pensar na volta; ia ficando, ficando, ficando...
Por vezes tentava acelerar as ideias e ganhar tempo. Inútil. Gastava energia e perdia ar. Mas no mundo dela, o tempo era um só. Apesar de fragmentar o tempo do real, tentando organizar também o mundo além de si, o tempo do seu universo era apenas um. E por isso, não passava. Estendia-se. A isso, Sofia também deu um nome: fluxo.
Nós, humanos, tão perfeitamente enquadrados em nomenclaturas pequenas e vazias não percebemos nossa incapacidade de definir aquilo que somos, não é? Assim, alguns dariam um nome ao que ela faz: egoísmo... Não fosse o desespero.
Mas, tanto eu, narrador e cá detentor de parte da história, como você leitor e ai detentor de outra parte desta aventura, não sabemos o que era isso que nossa personagem tentava fazer. Assim como também ela, detentora de tudo, e ao mesmo tempo de nada, nadava sem chegar à praia.
A situação, já envolta nesta “turbulenta” confusão, começava a piorar. É que Sofia começara a identificar sua própria confusão. Ao se ver sem saídas, tentava agarrar-se cada vez mais as paredes. As paredes de suas construções caiam cada diz mais; por vezes, aprendera a gostar disto. Entretanto, muitas vezes desesperou-se. Tinha medo. Passando pelos seus corredores, ao que tentava sair dali, não conseguia; não conseguiria. Era algo tão maior que ela que chegava a engoli-la. Quase era digerida.
Para isto inventou artifícios: dava voltas e conseguia se salvar. Mas Sofia perdia-se, perdia-se, perdia-se... ela mesma assumia. Não percebia que perder-se é tão incrível que quem de fato se perde, não sabe que se perdeu.
Por ora, andava sentindo muita dor. Dor desta coisa maior que todo mundo tem e que se não toma cuidado, faz estrago. Tinha necessidades: produzir, ser, estar... soltava estes infinitos infinitivos aos que aproximavam-se... ah Sofia, quando vai aprender que estas nomenclaturas são tão inúteis quanto suas paredes?
O mais engraçado é que não cumpria com nenhuma delas! Ser, estar... lacunas preenchidas apenas por palavras...E o tempo no mundo real já passava. Os tempos confundiam-se, ela já não sabia separá-los; era cedo ou tarde? Talvez fosse agora.
-é vô. Mas já estou indo pra dentro
Quando percebeu, o avô tinha passado, a hora da janta tinha acabado. Seu estômago roncava e todos na casa já dormiam.